Lucros, margens e cultura de empresa

 Em Cultura de Empresa, Employer branding, Liderança, Mudança

Um artigo da Economist e um projecto de transformação num cliente levaram-me a reflectir, mais uma vez, sobre cultura de empresa. A melhor definição que recolhi até hoje foi, “cultura é o que as pessoas fazem quando ninguém está a olhar”. Quem o afirmou foi um ex presidente da Southern Airlines.

Mas vamos ao artigo da Economist em que o jornalista de Economia começa por nos dizer que quando entrevista patrões de empresas de retalho a conversa é, habitualmente, sobre margens e sobre a ameaça que a Amazon representa. Acontece que entrevistou o ex CFO da Costco, uma grande empresa do sector do retalho, e a conversa centrou-se na cultura da empresa e porque é que, além de clientes e investidores estarem satisfeitos, os empregados gostam tanto de ali trabalhar. De acordo com o CFO parece que as pessoas “são encorajadas a fazer o que está certo” e a “manter as coisas simples em tudo o que fazem”.

Se um jovem com quem falei recentemente, empregado numa grande empresa portuguesa (daquelas em que quase todos querem trabalhar) como programador e que diz não descortinar o propósito do seu trabalho, ouvisse estas afirmações certamente ficaria curioso. Se quiser espreitar o artigo pode fazê-lo aqui.

O que podemos fazer hoje de diferente para que as empresas se tornem tão atraentes para o exterior como internamente, ou seja onde as pessoas gostem de trabalhar, onde não se sintam “enganadas” passado o período de onboarding? Talvez a questão seja mesmo evitar que as pessoas não se decepcionem e mostrar, desde a primeira interacção, aquilo que é  a sua verdadeira cultura. O mesmo é válido para candidatos – e se aprendessem a ser autênticos em vez de mostrarem o que não são?

O que aconteceria se uma uma empresa incentivasse a autenticidade radical? o que significa criar um ambiente onde as pessoas são incentivadas a serem elas próprias, com as suas  características únicas, sem a pressão de se adaptar a uma máscara profissional. A verdade é que no jargão corporativo a “autenticidade” e o respeito pelas “características únicas” têm ganho palco. Mas é assim no terreno? É bom lembrarmos que uma equipa genuína é mais criativa e inovadora.

Acerca do erro, também o “aprender com o erro” se tornou uma bandeira que muitas organizações hasteiam mas, na maior parte das vezes, a meia haste.  E se a cultura da empresa permitisse a celebração dos erros? Que tal se relatar erros ganhasse espaço nas reuniões? Aí sim,  falhar não  seria apenas aceitável mas também uma oportunidade para aprender.

E o que dizer das festas, jogos ocasionais, team buildings que tantas vezes infantilizam as pessoas? Porquê reservar esses momentos especiais em vez de  integrar o humor e a diversão no próprio funcionamento da empresa? Desde reuniões descontraídas até à criação de rituais de humor para descomprimir, o riso pode ser visto como uma ferramenta séria de aumento da produtividade.

Conhecemos a importância dos programas de mentoria mas se adoptássemos uma cultura que incentive as  micro-mentorias? Cada membro de uma equipa tem encontros frequentes e curtos com colegas de diferentes áreas para trocar conhecimentos, ideias e experiências.

Será que num mundo hiperconectado pode fazer parte da cultura de uma empresa promover uma desconexão proativa? Dias sem e-mail ou sem reuniões,  práticas de mindfulness, por exemplo.

Finalizo com uma ideia que me é muito cara, a do feedback contínuo. Em vez de avaliações anuais de desempenho, uma cultura onde o feedback seja criativo e contínuo pode ser revolucionária. Ferramentas interativas, jogos de simulação ou até mesmo expressões artísticas como a pintura, a música ou o teatro podem ser usados para expressar e discutir feedback de maneira leve sem ser ligeira.

Utilizar jargão sem consequências afastará as pessoas e descredibiliza a organização. Se o que se pretende é transformar a dinâmica e a percepção da cultura organizacional, colocar a tónica na autenticidade pode ter um impacto humano real.

Afinal, nada disto é novidade e a diferença reside na sincronia entre o que se afirma e o que se pratica.