Valores e comportamentos

 Em Cultura de Empresa, Liderança, Propósito

Longe dos corredores alcatifados e do conforto dos gabinetes das organizações de serviços tive a oportunidade de, recentemente, trabalhar para uma empresa industrial em África. A dureza do ambiente, as condições inerentes ao tipo de actividade, em laboração contínua, distante de qualquer cidade ou vila num país com limitações diferentes daquelas que habitualmente conhecemos, foi um exemplo de que é possível ter uma grande parte de um universo de 1500 pessoas comprometida com os objectivos da organização, da equipa e individuais. De notar que 95% dos empregados desta grande empresa são nacionais e desses, 60% são locais e que 12% são mulheres, algumas delas em lugares de chefia.

Sendo uma empresa do sector privado os indicadores de produtividade, com tudo o que a produtividade encerra, são determinantes para prestar contas aos accionistas, mas a grande preocupação é a segurança das pessoas e esse é um dos valores inscrito na missão desta organização. Claro que sabemos que a ausência de acidentes de trabalho é um factor chave para alcançar os níveis de produção exigidos mas o modo como todos têm interiorizado esse valor é visível nos comportamentos de cada um. Todos conhecem o significado das regras, o porquê de ter de ser assim e não de outra maneira o que faz com que esses comportamentos sejam absolutamente naturais. Não é preciso pensar antes de adoptá-los graças à forma como foram comunicados e, sobretudo, graças ao exemplo que vem dos líderes da empresa.

Escrevi anteriormente que de pouco vale às empresas apregoarem a sua missão e os seus valores se estes não forem traduzidos em comportamentos visíveis por parte da liderança. Quantas organizações já vimos anunciarem, por exemplo, a integridade como um valor, para, no dia seguinte, vermos os seus líderes nas páginas dos jornais nem sempre pelos melhores motivos. Um valor é algo inegociável, é algo que nos faz parar, é uma fronteira entre aquilo que podemos e não podemos fazer para sentirmos respeito por nós próprios. Por isso, antes de serem definidos vale a pena reflectir sobre se somos ou não capazes de os sustentar.

Para a minha estadia, levei na bagagem o livro Porgy and Bess, de Dubose Heyward, e nem de propósito há uma passagem em que Bess é presa por consumo de droga e a polícia pretende saber quem lha vendeu. Ela não faz a denúncia e quando recebe a visita de uma amiga, esta pergunta-lhe:

“- O que te faz não dizer ao carcereiro quem ele é, e voltar logo para casa?”

Bess ficou calada; depois, levantou a cabeça e fitou nos olhos a mulher mais velha.

– Eu sou uma mulher feita. Se tomo drogas, isso é comigo. E se torno a pôr as mãos nesse negro, nem a mãe dele depois o conhece! Mas não vou denunciá-lo aos brancos.

Amaciaram-se-lhe os traços duros em volta da boca e, em pouco mais que um murmúrio, acrescentou:

– Tenho de ser séria com alguma coisa, ou não podia tornar a aparecer ao Porgy”.

Como diz alguém que admiro, está tudo na literatura.