O poder da anarquia
O poder enquanto exercício nunca me fascinou. O que me fascina são as motivações dos que o exercem e o que fazem com ele. O mesmo posso dizer de tudo o que de alguma maneira me leve a reflectir sobre o poder nas organizações, em qualquer organização, mas, por defeito profissional, sobretudo em ambiente corporativo. E a razão da minha atenção a estes temas é porque continua-se a confundir, ou a fundir, poder com liderança.
Foi assim que, quer uma recente entrevista de Amin Malouf, escritor, ao jornal Público, quer ter descoberto Sophie Scott-Brown, historiadora e filósofa, me levaram a fazer conexões com o tema.
Amin Malouf diz-nos, “Escrevo um pouco como um observador, é verdade. Gosto da postura de estar acima da confusão, de não tomar uma posição preconcebida em relação aos acontecimentos e de os observar um pouco à distância. Mesmo quando tenho sentimentos diferentes em relação às personagens, aos acontecimentos, gosto de os observar com muita calma, com a maior objectividade possível”. Esta capacidade de distanciamento é, sem dúvida, indispensável na liderança, torna possível ver mais longe e confere ao poder uma nova dimensão, a de, por exemplo, não ser arbitrário. AM afirma ainda, na entrevista, que, face ao estado do mundo “precisamos mais do que nunca da imaginação”. Daqui, talvez porque me lembro da célebre frase anarquista, “A imaginação ao poder”, salto para a segunda referência, Sophie Scott-Brown.
A historiadora e filósofa, que descobri por via da House of Beautiful Business, debruça-se sobre a anarquia enquanto repositório de possibilidades quer para a geopolítica, mas também para o quotidiano dos negócios. Talvez a primeira reacção seja a de que o mundo não precisa de mais anarquia. Será verdade, mas precisa seguramente de novas maneiras de pensar. Scott-Brown distingue diferentes tipos de anarquia: a anarquia sem regras; a quantum – que dissolve a linha entre observador e participante; a de fricção – que considera o conflito criativo e transformador (e o momento em que escrevo é imediatamente após ter presenciado um conflito latente que se tornou manifesto e cujo resultado prevejo seja produtivo); a improvisada – o momento antes de qualquer escolha é aquele em que tudo é possível; e finalmente a anarquia é normal, diz – porque a maioria das suas ideias têm raízes na realidade de todos os dias.
O que acontece quando envolvemos as pessoas nas decisões numa organização, incluindo diferentes perspectivas? talvez o objecto do conflito fique menos intenso, segundo a filósofa. A pergunta que a anarquia faz é, “quando olhamos para um problema que parece intratável onde se acumula o poder e o seu efeito?”
Arrisco a afirmar que as pessoas que não querem o poder, são as mais poderosas. São as que conseguem levar as outras a serem mais criativas e responsáveis, a serem capazes de transformar o ambiente à sua volta. É disto que se anda a falar há anos nas empresas: visão, envolvimento, partilha de decisões, gestão de conflitos, criatividade, responsabilidade. Que tal pôr em prática?