A zona de desconforto
Um destes dias fui comprar um pão de que gosto muito, massa consistente e côdea estaladiça, quando me perguntam se o queria fatiado. Que não, gosto de ser eu a parti-lo a meu bel-prazer, respondi. No regresso a casa comecei a pensar em como tantas tarefas do quotidiano estão, hoje, pensadas para facilitar a vida das pessoas e que, ao mesmo tempo que criam um aparente conforto, vão eliminando a capacidade de nos surpreendermos e tornando o pensamento cada vez mais mecânico e improdutivo. São numerosíssimos os exemplos de aplicações informáticas para tudo, desde quantas vezes nos bate o coração até à possibilidade de atingirmos o mindfullness, esse estado muito em moda que tem que se lhe diga.
O episódio do pão, confesso, foi um estímulo para esta escrita mensal numa altura que é de férias, para quem pode, e supostamente de entrada na zona de conforto – mais uma expressão que tomou de assalto o mundo da gestão. Ser capaz de sair da zona de conforto tornou-se ponto de honra na definição de um perfil competente. Mas porquê sair de uma zona onde sentimos que não há pressão, os riscos são mínimos e que no fundo é o que a maioria procura? É natural querermos aumentar os níveis de ansiedade e sentirmos desconforto?
Sempre que alguém aceita uma nova função que implique ou não uma mudança de empresa e em que precise de desenvolver novas competências ou de trabalhar com ferramentas desconhecidas, é provável que fique durante algum tempo em esforço, mas não necessariamente desconfortável. A isso chama-se curva de aprendizagem que será maior ou menor consoante a capacidade de cada um.
Quando uma organização decide levar a cabo uma mudança estratégica com implicações na maneira como as pessoas trabalham, alterando processos e procedimentos, exige colaboradores que estejam disponíveis para alterar hábitos deixando para trás aquilo a que se convencionou chamar zona de conforto. Se sair dessa zona permite que as pessoas se desenvolvam e aprendam, porque é que tantas dessas mudanças falham? As razões são múltiplas, mas menciono aquela que, pela minha experiência, me parece mais decisiva: as pessoas só mudam se percepcionarem que a mudança lhes trará ganhos. As pessoas só mudam se intervierem no processo, ou seja, se em vez do pão fatiado lhes for dado o pão inteiro, o que implica serem chamadas a reflectir sobre um novo modelo de organização e a construí-lo de acordo com o que cada um pode dar e receber. Ser estimulado a fazer mais e melhor ou a fazer de maneira diferente pode ser desconfortável quando as pessoas são deixadas à sua sorte e quando a pressão exercida não encontra amortecedor o resultado pode ser desastroso.
Há uns anos fui chamada a intervir num processo de mudança numa unidade hoteleira que implicava a passagem da sua categoria de três para quatro estrelas o que exigia, naturalmente, uma enorme mudança na prestação do serviço, desde a recepção, passando pela cozinha até ao serviço de quartos. Todos os empregados, sem excepção, foram chamados a trazer as suas ideias, muitas delas foram executadas e ao mesmo tempo foi proporcionado o treino intensivo de novas competências. Os níveis de serviço perduram, foi-me reportado.
Mais recentemente, e pela necessidade de trazer processos digitais para o negócio, uma empresa quis perceber como poderia reduzir os níveis de ansiedade que sabia que alguns colaboradores iriam experimentar. Essas pessoas estão a contribuir para a definição daquilo que lhes vai trazer vantagens para o seu trabalho e sabem que vão deixar de fazer como sempre fizeram.
Um dos papéis da liderança é esse, causar pressão ao mesmo tempo que a amortece nos momentos precisos, é tornar a tal zona de desconforto…confortável. As pessoas ficam exaustas e improdutivas se estiverem permanentemente na zona de desconforto. Veja-se o caso recente da atleta Simone Biles nos Jogos Olímpicos, um exemplo extremo.