O talento é um dom natural?
Durante estas férias li os diários de Virginia Woolf, escritos entre 1927 e 1941. A sua vida e as suas reflexões fascinam-me, desde a situação mais comezinha e doméstica até à descrição da atmosfera que se vivia antes da ascensão de Hitler e durante os bombardeamentos de Londres.
Por alturas da publicação da sua obra “Orlando”, V.W. pergunta-se se a sua veia como escritora não estará a ser “estimulada pelos aplausos e estimulada no mau sentido”. E discorre com uma reflexão tão actual que não resisti a partilhar: “A ideia que eu tenho é que há certas funções que é dado ao talento desempenhar para descanso do génio; ou seja, todos nós temos um lado travesso; o talento, quando não passa de um dom natural, quando não é um talento aplicado; e o talento quando é talento sério, e mete ombros ao trabalho. E um descansa o outro.” Virginia Woolf aplicava muitas horas diárias a aprimorar a sua escrita, era perfeccionista e crítica de si própria e sofria enquanto não via o impacto de uma obra prestes a ser lida pelo público. Não se interessava pela glória ou pelas luzes da ribalta, aliás por diversas vezes recusou fazer palestras ou dar aulas na universidade. Queria “apenas” o reconhecimento da sua obra e competia consigo própria. Trabalhava o seu talento.
Pois é, uma coisa é o talento natural que temos para uma determinada função e outra é o que resulta de um trabalho contínuo e, muitas vezes, duro. A ideia de que basta gostar-se do que se faz para ter êxito não é verdadeira. Entre a paixão e o resultado final há todo um caminho que exige aplicação, foco, exigência e por vezes alguma angústia. Os talentos com quem me tenho cruzado e que admiro, deram-me provas destas características. E nada é mais frustrante de observar do que um talento desperdiçado. É verdade que existem empresas que desperdiçam talento mas também é verdade que há talento que se perde por preguiça do próprio.
Desejo a quem me lê um bom regresso de férias, com força renovada.