Com Paulo de Sá e Cunha – Sócio Cuatrecasas, Gonçalves Pereira

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Como descreve o seu estado de espírito actual?
Apreensivo e farto: dos exageros do politicamente correcto, da cultura woke, das descriminações ditas “positivas”, do apagamento da história, dos cancelamentos de pessoas, da nova “linguagem” inclusiva, dos atentados à liberdade de criação e de expressão, tudo em nome desta nova “ideologia”, jactante nos seus pretensos valores, mas profundamente totalitária na sua verdadeira essência.

Qual o seu maior receio neste momento?

O da banalização da futilidade, do imediatismo, do superficial e do acéfalo. Tudo parece caminhar para o predomínio absoluto do marketing, aplicável a toda a sorte de “produtos”, dos sabonetes à política…. As redes sociais, por outro lado, possibilitam a democratização desta realidade, tornando acessível, a cada um, o marketing do seu próprio “eu”. É uma tendência que não augura nada de bom…

Qual a maior extravagância que por estes dias lhe apetece fazer?

Umas férias a sério, isolado do mundo, de tudo e de todos. Mas bastariam dois ou três dias, depois cansava-me de tanto tédio…  

Qual a frase/expressão que mais tem utilizado ultimamente?

Há algumas indizíveis…adiante! Uma que me tem ocorrido muito, ultimamente, aprendi-a de um bom amigo, recentemente falecido: “Não há nada pior para quem trabalha do que quem não tem nada que fazer.”

Fez alguma descoberta acerca de si próprio durante o confinamento?

Que há sempre um lado bom da coisa má. A desaceleração do ritmo quotidiano, vivida nesses tempos, proporcionou-me uma sensação de pausa e de relaxamento. O que, bem vistas as coisas, até foi agradável (no meio de toda aquela apreensão causada pela pandemia) …

Fez alguma descoberta acerca dos que lhe são próximos durante o confinamento?

Descobri que a necessidade aguça o engenho! Cinco pessoas confinadas (três crianças) dispondo, cada uma delas, de razoável espaço vital e de privilégios de pátio, conseguem organizar-se e funcionar eficazmente, sem demasiados atritos. E essa foi uma boa (e algo surpreendente) descoberta.

Qual tem sido a sua ocupação favorita?

De momento, tenho um hobby obsessivo: colecionar relógios de pulso. Há relógios que são verdadeiras obras de arte e de mecânica. Estudá-los a fundo é um campo fascinante, a que me dedico com imenso gosto e que me permite incursões em aspectos muito interessantes da história dos séculos XIX e XX, que interpenetram a história da própria relojoaria. E ainda me dá a conhecer um círculo restrito de fanáticos, pessoas interessantes e obcecadas, como eu, por esta verdadeira tara.

Se tivesse mais uma vida o que faria com ela?
Gostaria de a viver recuando trinta anos no tempo. Por outras palavras, gostava de ter vivido os meus trinta, quarenta anos, repartidos entre as décadas de 50 e 60. São tempos que me fascinam e que me parecem aureolados de um glamour irresistível e irrepetível…

O que gostaria que fosse diferente no mundo em que vivemos?

Imensas coisas, das mais óbvias e consensuais a outras. Numa perspectiva egoística, gostaria que se vivesse com menos frenesim, menos avidez… em suma: mais joie de vivre. Fugindo ao paradoxo (muitas vezes imperceptível) de, na ânsia de tudo se querer, tudo se perder.  

O que gostaria que se mantivesse?

No mínimo (que afinal é muito) que se mantivessem as coisas boas da vida, que podem bem resumir-se aos pequenos prazeres dos dias bem passados, em boa companhia, uma boa conversa, uma boa refeição, um bom vinho, um bom charuto…coisas simples…que nos deixam felizes.

Qual a sua fonte principal de notícias actualmente?
De notícias propriamente ditas, as redes sociais (que uso de manhã como uma espécie de gps) e vários (e hoje incontornáveis) clippings de notícias: gerais, nacionais e internacionais e outros focados em temas profissionais. A partir daqui aprofundo o que mais me interessa.

Que livro recomendaria nesta altura?

Sou muito monótono em termos literários. A minha preferência vai para obras sobre história recente e contemporânea (temas militares, política e geopolítica, intelligence, entre outros). Nesta linha, recomendaria o “O Abismo”, de Max Hastings, sobre a crise dos misseis em Cuba, em 1962. É um tema sério, a revisitar em tempos de risco acrescido, que ninguém razoavelmente poderia supor que viesse a repetir-se.

Qual foi o último espectáculo a que assistiu (cinema, teatro, concerto…)?

Cinema, em doses semanais (a minha mulher a isso me obriga). Último filme: “Nostalgia” (2022) realizado por Mario Martone, com Pierfrancesco Favino no papel principal. O cinema italiano contemporâneo raramente decepciona. Esta é uma história triste…

À Justiça o que é da Justiça?

A frase, que nos entra em casa no dia a dia, encerra em si mesma uma vacuidade. Tudo é, ou pode vir a ser, da Justiça. Num estado de direito democrático, os litígios dirimem-se nos tribunais. A legalidade democrática é escrutinada e exercida, essencialmente, através dos órgãos judiciários, tribunais e Ministério Público. Na sua face mediática mais visível, que é a da acção penal, a Justiça é um monopólio destes órgãos judiciários e está estritamente subordinada ao princípio da legalidade. É assim ou deve ser assim! Enfim… às vezes parece que nem sempre é assim. O que me convoca à memória uma frase simétrica (e, se calhar, igualmente vazia): à Política o que é da Política. Era bom que políticos, agentes da Justiça e alguns justiceiros que por aí pululam atentassem bem nisto e, cada qual no “seu galho”, exercessem bem os seus misteres. Os portugueses apreciariam e agradeceriam.

Qual a sua banda sonora para estes dias?

Quase tão monótona como as opções literárias… Pink Floyd, sempre, blues, sempre (tenho, por expoente máximo, um cantor americano já falecido – Mighty Sam McClain). Numa incursão em música mais recente (do agrado das minhas filhas adolescentes e jovens adultas) a Dua Lipa, que não está nada mal, faz-me companhia (e dá-me energia)