Com Helena Alegre – Directora do Departamento de Hidráulica e Ambiente do LNEC
Como descreve o seu estado de espírito actual?
Com a sorte que tenho tido na vida, a minha genética e o meu nome, não poderia ser outro: excelente. Não me permito que terceiros destruam este modo de estar na vida.
Qual o seu maior receio neste momento?
Basta olharmos para como a humanidade se está a tratar, a si própria e ao planeta, e receios não faltam! Mas não serve de nada viver de receios. Fixemo-nos no que depende de nós. Eu sei que consigo contribuir, à minha modesta escala, para melhorar o mundo. Como se conta de Mário Soares, prefiro dormir bem para acordar com energia e ideias claras. Insónias pelos receios não nos levam a lado nenhum.
Qual a maior extravagância que por estes dias lhe apetece fazer?
Não deixo as minhas extravagâncias por mãos alheias, nem para “quando me reformar”. Não costumam ser financeiramente incomportáveis nem coisas que prejudiquem terceiros. Por isso, não as adio: viajar para me encontrar com a minha prole e para conhecer mundo, continuar nas minhas aulas de joalharia, fazer crochê durante reuniões de trabalho para melhor me concentrar, dizer o que penso e sinto, fazer e vestir o que me apetece, independentemente de ser o esperado, de “parecer bem” ou de “ser politicamente correto”. Ser livre será uma extravagância? Mas confesso que tenho uma pequena extravagância pendente há demasiado tempo: ir com uma amiga andar de segway à beira rio, no Seixal. É inadmissível nunca ter ido ao Seixal e nunca ter andado de segway. Desta primavera não passa.
Qual a frase/expressão que mais tem utilizado ultimamente?
“Que orgulho tenho na minha equipa!” (do Departamento de Hidráulica e Ambiente do LNEC). Não me têm faltado motivos. É um grande privilégio dirigir uma equipa de investigação de cerca de 100 pessoas, cerca de metade doutorados e aproximadamente 20% doutorandos. Comemoramos este ano o nosso 75.º aniversário. Temos uma história que nos responsabiliza, nos inspira e instiga a fazer melhor. Tematicamente, estudamos todo o ciclo da água, natural (rios, águas de transição, águas costeiras) e construído (barragens, portos, sistemas de abastecimento, etc.). Também estudamos as interações água – infraestruturas – sociedade. Tratamos tanto dos aspetos de quantidade como de qualidade, incluindo a qualidade ecológica. Somos referência internacional em diversos domínios. Ainda hoje, quando algum investigador do LNEC vai ao Brasil é quase seguro ouvir uma referência elogiosa ao estudo feito pelo LNEC há mais de 50 anos que permitiu o alargamento da praia de Copacabana. Na minha área científica de especialidade, engenharia sanitária e ambiental, destaco os sistemas de avaliação de desempenho, a gestão patrimonial de infraestruturas e os tratamentos avançados de água e de águas residuais. O contexto externo de gestão que nos é imposto não é estimulante, bem pelo contrário. Vale a equipa que temos, que “veste a camisola” e sabe que o futuro somos nós que o construirmos.
Fez alguma descoberta acerca de si próprio durante o confinamento?
Confesso que não. Passei a agir de modo diferente nesse período, como todos nós. Aprendi. Alterei com carácter permanente alguns aspetos da minha rotina de vida pessoal e profissional, embora tenha regressado ao trabalho presencial permanente. Felizmente, nem eu própria nem as pessoas mais próximas sofreram dos danos físicos, financeiros ou psicológicos, que afetaram tanta gente!
Fez alguma descoberta acerca dos que lhe são próximos durante o confinamento?
Confirmei que a necessidade aguça o engenho. A equipa reagiu excecionalmente. Houve dificuldades e desafios, ultrapassados com grande sucesso. Não houve quebra de produtividade. Houve aproximação entre as pessoas através de alguns procedimentos que introduzimos, tais como as reuniões de departamento semanais, um grupo informal de “WhatsApp”, a escrita por mim de uma mensagem semanal e a realização de uma série de reuniões individuais com todos os elementos da equipa. Do ponto de vista pessoal, tive a sorte de ter ficado com dois dos meus netos durante cerca de um mês, em casa, sem sairmos. Desafiante, mas muito divertido. Uniu‑nos ainda mais. Durante o dia estavam por conta do avô, enquanto eu trabalhava. Ao fim do dia, eu saía do casulo e tínhamos sempre de fazer “um projeto” com os materiais que havia lá por casa. Foi ótimo.
Qual tem sido a sua ocupação favorita?
O que gosto mesmo é de Viver! Felizmente consigo conciliar uma profissão que me motiva e preenche – sou investigadora em água e ambiente – com hobbies como a joalharia, o croché, ou os projetos manuais com os meus netos. Eles vivem longe, as oportunidades são poucas, mas são excelentes e sabem-nos tão bem!
Se tivesse mais uma vida o que faria com ela?
Continuaria o que tiver de deixar a meio nesta. Mas, pelo sim pelo não, opto por continuar a aproveitar ao máximo as boas oportunidades que me vão surgindo na atual.
O que gostaria que fosse diferente no mundo em que vivemos?
O planeta não espera. Os nossos filhos e netos merecem ter um futuro decente. Era tão bom que o exercício do poder passasse a ser racional! Detesto a estupidez, sobretudo quando é consciente. E não estou a falar apenas das grandes potências, ou dos políticos de que todos falamos criticamente. Estou também a referir-me ao pequeno poder, exercido por cada um de nós. Assumamos as nossas responsabilidades em vez de culpar os outros de tudo o não vai bem. Respeitemos quem e o que nos rodeia. Sou engenheira, não percebo nada de psicologia. Ainda não percebi o prazer do exercício do poder, só para encher o ego, ou só porque sim.
O que gostaria que se mantivesse?
A intensidade da luz da minha terra, a beleza da natureza, o coração e a cabeça dos que me são mais próximos, as oportunidades de, em equipa, gerar novos conhecimentos e produzir mudanças nas culturas e práticas organizacionais.
Qual a sua fonte principal de notícias actualmente?
O meu calendário tende a ser difícil de gerir, e a atualização do que se passa no país e no mundo nem sempre é bem feita. Estou longe de ter um comportamento exemplar nesta matéria. Acabo por combinar noticiários televisivos com uma leitura, frequentemente em diagonal, da versão on-line de “O Público”, que assinamos. Não é displicente outra fonte: os “digests” que o meu marido informalmente acaba por me fazer…
Que livro recomendaria nesta altura?
O que tenho na mesa de cabeceira neste momento: O Baú dos Papelinhos de Dona Inácia, Prazeira de Manica, do José Mora Ramos, engenheiro civil e investigador no LNEC até se reformar, mas também homem de teatro e escritor. Um ensaio político? Um livro de viagens? Um romance? – É um livro de muitas leituras, sobre o período final de um Moçambique colonial, a não perder! Recomendo!
Qual foi o último espectáculo a que assistiu (cinema, teatro, concerto…)?
Estou a regressar de Macau e Hong Kong, onde assisti a um espetáculo dos alunos da Universidade M.U.S.T. (Macau University of Science and Tecnology), no âmbito de uma conferência Portugal – Macau.
Abro parêntesis: a China está decidida a fazer da região da Baía do Rio das Pérolas um polo de investigação e tecnologia que sirva de plataforma de internacionalização. Uma das vertentes é a ligação China – países de língua portuguesa através da M.U.S.T.. Fecho parêntesis.
Tratando-se de uma universidade jovem e de cariz tecnológico, é de destacar a elevada qualidade dos alunos da Escola de Artes. Notas pitorescas: os Abba e as óperas clássicas italianas parecem estar em alta na região. Foi curioso ouvir cantar com uma clara sonoridade italiana, mas não ter conseguido reconhecer uma única palavra.
Imediatamente antes de ir para o oriente tinha assistido na minha terra, Castro Verde, ao espetáculo “Os sonhos que seguram o mundo”, uma homenagem a José Saramago, organizado pela Associação Sénior Castrense, com as gentes da terra. Mais de 80 pessoas em palco. Que trabalho de equipa fantástico! Colaboraram o grupo de teatro da Associação, os ganhões, o coro polifónico e alguns convidados, como o José Abreu e a sua voz fantástica. Brincaram a sério com as palavras do José Saramago, de várias obras e intervenções. Saí de cabeça inspirada e coração cheio!
Sensibilização ou conhecimento para as políticas de gestão da água?
A gestão da água, que assume o carácter de monopólio natural em grande parte dos serviços associados, tende a ser conservadora, adversa ao risco, pouco eficiente. A evolução tem sido mais lenta do que em outros setores. Porém estamos num mundo em que é indispensável acelerar fortemente o ritmo. São muitos os desafios que enfrentamos, tais como os decorrentes da escassez de recursos, da emergência de novos contaminantes, da ocorrência de eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes, do envelhecimento de muitas infraestruturas por falta de investimento em reabilitação, e da necessidade de proteger o ambiente. É indispensável acelerar a inovação tecnológica na forma como se gere a água e os ativos associados. É igualmente crítico encontrar boas soluções de governança. Boas políticas públicas para a gestão da água assentam sobre estes dois pilares fundamentais.
Sensibilização ou conhecimento? Ambas: precisa-se de sociedades sensibilizadas, conscientes da urgência de mudança e do que isso implica nas suas vidas e nas suas escolhas políticas. Não basta ser-se “amigo do ambiente”, é necessário entender que há atitudes a alterar e um preço a pagar. Mas também se precisa que a ação seja baseada no conhecimento, destacando aqui duas vertentes que considero fundamentais: capacitação dos recursos humanos associados à gestão da água e conhecimento gerado pela investigação científica e tecnológica. Investigação que se quer realista, orientada para a resolução dos problemas reais de quem tem de tomar decisões e de as pôr em prática, desenvolvida em ambientes de coprodução. Sem falsa modéstia, permitam-me que vos convite a explorar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo LNEC (www.lnec.pt/hidraulica-ambiente/pt) e pela LIS-Water (Lis-water.org) nestas matérias.
Qual a sua banda sonora para estes dias?
Vi há pouco tempo o filme “Os Espíritos de Inisherin”. Gostei muito da banda sonora e por isso a destaco. Mas não vou enganar ninguém. Herdei boa genética dos meus pais em muitas matérias, mas também herdei o ouvido duríssimo, sobretudo do meu pai. O dele já era muito mau, mas agravou-se na mudança de geração. Ciclo vicioso: a minha cultura musical deixa muito a desejar. Admiro quem diz que não consegue ler ou escrever com música, por a música ser demasiado absorvente, ou se ouve e escuta, ou mais vale o silêncio. Estou muito longe desse patamar. Gosto muito de ir até à Gulbenkian assistir de vez em quando a um concerto, mas também me sabe bem ter música de fundo que me seja agradável, mesmo que não saiba quem compôs, que peça é, quem toca. Gosto muito de ouvir a antena 2 sempre que tenho oportunidade. Quando não me é agradável, desligo…