Portugal, quem és tu?
“Portugal, quem és tu?” foi uma iniciativa de Fernando Alvim em que tive oportunidade de participar. Uma ideia para Portugal?
Aqui fica a minha intervenção:
Na minha profissão costumo fazer com que as pessoas tenham ideias, não sou eu que as tenho e, por isso, é uma enorme responsabilidade vir aqui para apresentar uma ideia, ainda por cima para Portugal.
Na minha profissão acompanho processos de mudança e falo com muitas pessoas diariamente. Fui treinada para observar o seu comportamento. E é por isso que me permito falar sobre a mudança: como reagimos à mudança? o que mudámos nos últimos anos? o que não mudámos e o que seria bom que mudássemos? O tema foi aceite e por isso sinto-me menos inquieta por não vir propriamente com uma ideia para Portugal.
Como reagem os portugueses à mudança? Como todos os outros povos. Com resistência. Nós somos especialistas em resistir à mudança! A mudança pode ferir, pode magoar. É duro mudar. É tanto mais duro quanto não soubermos para onde nos leva a mudança. Nos últimos anos isso ficou bem patente. As pessoas só mudam quando vêm vantagens para si próprias na mudança. E, às vezes, a vantagem é apenas… a sobrevivência.
Assim, os portugueses mudam mas resistem. Como é nosso hábito em quase tudo, resistimos passivamente. Somos o tal povo de brandos costumes. Mas, na realidade, a seguir, temos uma enorme capacidade de adaptação: adaptámo-nos a 3 anos de troika, alterando modos de vida e de comportamentos: criámos negócios de maior ou menor dimensão, criámos o próprio emprego, emigrámos, tornámo-nos mais vezes solidários, mostrámos ainda mais a nossa arte do desenrascanço, incorporámos novas ideias e costumes.
Mas… por mais “espaços com conceito”, “sunsets”, “lounges” que criemos, por mais “foodies” e “gourmets” que sejamos, por mais tecnologias que passeemos, teremos sempre, para utilizar uma expressão de Manuel Villaverde Cabral, uma modernidade mal integrada, uma espécie de modernidade atabalhoada.
Somos solidários, mas não somos comunitários. A ideia de que o nosso comportamento na comunidade afecta os outros, está muitas vezes longe da nossa cabeça: arrumar o tabuleiro num self service? Os empregados estão lá para isso. Estacionar em 2ªfila? É só um instantinho. Estar presente na reunião de condóminos? É uma seca, os outros que decidam. Apanhar o cocó do cão? Era o que faltava, para além de que é biodegradável.
Somos desenrascados e capazes do improviso, mas raramente fazemos bem à 1ª! Em qualquer planeamento, do projecto mais insignificante ou ao de maior dimensão, há sempre espaço para um “Logo se vê”. O ”Logo se vê, todos sabemos, quase sempre dá mau resultado para além de fazer perder tempo a todos os envolvidos. E a seguir vem o histórico “É complicado”, outra expressão favorita dos portugueses, tal como o habitual “Vamos ter de fazer uma directa” quando aparece um trabalho de características diferentes. Os Portugueses trabalham muito? Não. Passam muito tempo no local de trabalho, mas a dura verdade é que face ao tempo em que lá estão objectivamente trabalham mal porque desperdiçam demasiado tempo.
Por isso a ideia que aqui trago é esta: devemos adicionar à solidariedade o espírito comunitário! Temos necessidade de adicionar à capacidade de improviso o gosto por fazer bem à 1ª. E, finalmente, que sejamos autênticos e que nos deixemos de modernices de fachada.
Ah – e assim termino – que possamos andar na rua a olhar em frente. Ainda andamos todos com o nariz no chão.