Há mesmo pessoas que não querem trabalhar?

 Em Digitalização, Propósito, Tecnologia

É comum ouvirmos que há pessoas que não querem trabalhar ao mesmo tempo que é cada vez mais difundida a ideia de que, para obter o empenhamento dos colaboradores, o trabalho tem que ter um propósito, ideia que colhe o meu absoluto acordo.

Ora, que propósito haverá para alguém cujo trabalho é limpar a porcaria que os outros fazem (recolha de lixo ou limpeza de casas de banho, por exemplo) ou, no outro extremo, que propósito têm pessoas com qualificações que trabalham em empresas onde lhes está vedado o desenvolvimento e a autonomia? Parece-me ser um paradoxo com o qual nos confrontamos.

Vivemos tempos difíceis para o recrutamento, encontrar talento é cada vez mais difícil e os números do McKinsey Global Institute estão aí para confirmá-lo. Num estudo feito pelo MGI, em 2016, as previsões apontam para que em 2020 (amanhã) faltem no mercado global 40 milhões de trabalhadores altamente qualificados e existam 95 milhões com baixas qualificações. Este é um problema que é de todos: não vai haver gente suficiente para trabalhar, mesmo com os sistemas de motivação mais sofisticados.

No meu livro “Era uma vez um talento”, refiro os cenários traçados por Klaus Mogensen, Editor de Ciência e Tecnologia da revista Scenario, publicada pelo CIFS – Copenhagen Institute for Future Studies, em resposta à questão ‘Como vamos ganhar a vida no futuro?’, uma vez que os robôs já estão a fazer muito do trabalho que era feito por nós.

Klaus Mogensen desenha quatro cenários: o primeiro a que chama de novo feudalismo no qual, à medida que um maior número de empregos desaparecem, as pessoas serão obrigadas a aceitar qualquer trabalho por mais desqualificado que seja. A sociedade ficará cada vez mais dividida entre os poucos que se tornaram ricos, uma classe média esmagada e 80% das pessoas serão precários e um segmento muito pobre da população. À semelhança da Idade Média haverá uma pequena elite, numerosos servos e uma classe média modesta. O segundo cenário projectado é o de uma sociedade criativa uma vez que há trabalhos como a investigação, a comunicação, a indústria do espectáculo que não são facilmente automatizados. Será uma sociedade em que as pessoas só terão para fazer o que é valorizado, isto é, o que é único e especial. O que tem um propósito, acrescento eu. Uma economia de super-estrelas é o terceiro cenário, ou seja, há uma elite em cada indústria que toma conta do trabalho que existe e a quem não será difícil contratar desempregados que olham para a possibilidade de sair da pobreza. Finalmente, o último cenário desenhado por Klaus Mogensen é o da era do hobby, em que o crescimento da economia criado pela automatização não é visto como um problema e assim as pessoas não necessitarão de trabalhar. O voluntariado social será norma e muitas pessoas dedicar-se-ão a projectos criativos. Os poucos que criam riqueza e que conseguem grandes fortunas irão assegurar que todos ganham com o desenvolvimento.

Embora pareçam cenários de ficção científica ou utópicos, sobretudo o último, há algo de comum nos três primeiros e a que já estamos a assistir: não haverá trabalho para todas as pessoas nem pessoas para todos os trabalhos, haverá cada vez mais elites e cada vez mais pobres e destacar-se-ão os que conseguirem produzir riqueza por via da automação. Será que estes estarão dispostos a assegurar que o desenvolvimento não deixa para trás aqueles que querem um trabalho com propósito mas que não possuem as qualificações para tanto?