Sobre a Inteligência Artificial

 Em Colaboração, Desenvolvimento, Digitalização, Tecnologia

No 37º American Cinematheque Award, Helen Mirren foi distinguida pelo seu papel nos filmes “A Costa do Mosquito” e “1923”. Seguiu-se o natural discurso de agradecimento, que Mirren leu no papel que trazia consigo e que, no final, desvendou ter sido inteiramente gerado via inteligência artificial. De seguida, num gesto simbólico, rasgou o papel largando-o em pedaços pelo ar.

O avanço da IA está na ordem do dia e já não se trata de uma questão de futuro. Está aí, presente nas nossas vidas muitas vezes sem nos darmos conta.  No entanto, tirarmos partido de algumas das suas vantagens: por exemplo a automatização de tarefas rotineiras e repetitivas é um dos primeiros benefícios de que nos lembramos, e que permite libertar trabalhadores para tarefas mais criativas.

A tomada de decisão também pode ter um forte apoio da IA, uma vez que a capacidade para analisar rapidamente grandes quantidades de dados ultrapassa a dos humanos em larga escala. Hoje vários sectores desde o financeiro à medicina, utilizam sistemas de decisão suportados pela tecnologia.

O impulso que a inovação, com a ajuda da IA, tem tido em áreas tão diversas como os transportes, a manufactura ou a medicina, e que tem impacto no crescimento económico e até na criação de novas oportunidades de emprego, é inestimável.

E já que falamos de medicina, olhemos agora para algumas contra-indicações: o chamado desemprego tecnológico gerado pela IA, os vieses algorítmicos, a privacidade e segurançaou a dependência excessiva. Mas, na minha perspectiva um dos mais preocupantes é a desigualdade digital. Como sabemos nem todos possuem a literacia necessária à utilização da IA e esse facto pode contribuir para agravar as diferenças socioeconómicas.

Vou confessar-vos que recorri ao GPT para que me desse um exemplo de tarefas rotineiras e repetitivas que a IA tenha automatizado. “Falou-me” na triagem de emails que recebemos todos os dias na caixa de correio. De seguida pedi-lhe exemplos com implicação na vida das pessoas que não utilizam emails. Obtive como resposta a introdução dos chatbots no atendimento. Insisti com pedido de exemplos para pessoas com total ausência de literacia digital e que não utilizam computador. Copio e colo a resposta:

“Entendi, vamos lá. Um exemplo de automação que beneficia pessoas com pouca ou nenhuma literacia digital e que não envolve o uso de computadores é a automação residencial por meio de assistentes virtuais, como o Amazon Echo ou o Google Home.

Esses dispositivos permitem que os usuários controlem várias funções dentro de suas casas, como ligar e desligar luzes, ajustar o termostato, reproduzir música, definir lembretes e até mesmo fazer compras online, tudo isso através de comandos de voz simples.

Para alguém que não utiliza computador e pode ter dificuldades com interfaces complexas, os assistentes virtuais oferecem uma maneira intuitiva e acessível de interagir com a tecnologia. Basta falar com o dispositivo para executar diversas tarefas, sem a necessidade de aprender a usar um computador ou um smartphone.

Essa automação residencial não só facilita a vida das pessoas, tornando as tarefas diárias mais convenientes, mas também pode proporcionar independência e conforto para idosos ou pessoas com mobilidade reduzida, permitindo que controlem suas casas de forma simples e eficaz.”

Quando menciono disparidades socioeconómicas é disto que falo: de pessoas para quem a automação residencial é uma miragem e é se conhecerem o conceito porque para muitas é uma abstracção. É verdade que qualquer um sabe utilizar máquinas de lavar roupa e loiça, sabe levantar dinheiro de um ATM, possui um telemóvel e é capaz de utilizar as suas funcionalidades mais básicas. E estas são também tarefas  facilitadas por algoritmos. Mas os exemplos do GPT exigem certamente outra sofisticação ao utilizador.

Claro que ignorar ou lutar contra a inteligência artificial não é o caminho e, sobretudo, não impedirá o seu avanço. Talvez possamos aplicar a velha máxima, “Se não os podes vencer junta-te a eles”. Mas, já agora, com sentido crítico e com muita precaução, nomeadamente no que diz respeito, por um lado, à cibersegurança e protecção de dados, à ética e à regulamentação e legislação e, por outro, à capacitação dos mais vulneráveis.

Entretanto fui perguntar ao GPT o que pensa da atitude de Helen Mirren e fiquei surpreendida por “ele” pensar que a situação é hipotética redigindo-a no condicional:

“Embora seja uma situação hipotética e um tanto inusitada, a reação de Helen Mirren em rasgar um discurso escrito pelo Chat GPT dependeria do contexto e das razões por trás desse gesto.

Se ela decidisse rasgar o discurso como uma forma de crítica ao uso excessivo de tecnologia na criação de conteúdo humano, poderia ser interpretado como uma declaração sobre a importância da autenticidade e da originalidade nas expressões artísticas e discursivas.

Por outro lado, se a ação fosse motivada por desacordo com o conteúdo do discurso gerado pelo Chat GPT, poderia gerar um debate sobre os limites da inteligência artificial na criação de discursos persuasivos e significativos.

 Em qualquer caso, seria uma situação interessante que destacaria questões sobre o papel da inteligência artificial na produção de conteúdo criativo e a interação entre tecnologia e arte.”

Como diz Irene Vallejo, escritora e filóloga espanhola, “As máquinas são muito sérias. Não compreendem a brincadeira, a ironia”. Por quanto tempo?