Quem regula hoje o mercado de trabalho?

 Em Gestão de Talento, Liderança, Millennials, Mudança, Propósito, Recrutamento

Dois temas estão na ordem do dia no que diz respeito ao mercado de trabalho: a semana de quatro dias e o quiet quitting, termo que poderá ser traduzido livremente por abandono silencioso. Este fenómeno, que não há muitos anos seria intolerável por parte das empresas e das suas lideranças, faz hoje parte de um comportamento observável sobretudo nas gerações mais novas quiet quitting que significa fazer o que se tem a fazer no horário de trabalho estipulado em contrato e a mais não se sentir obrigado. Poderia deixar aqui numerosos exemplos, mas um dos mais flagrantes passou-se numa empresa familiar em que o próprio filho do proprietário se recusou a dar algumas horas – remuneradas – do seu dia de folga para apoiar um evento especial.

Uma das explicações que tem sido apontada prende-se com a precariedade com que os jovens se sentem confrontados. Na verdade, quer trabalhem muito ou pouco, as perspectivas de desenvolvimento no nosso país são escassas num mercado de trabalho dominado por pequenas e médias empresas e onde é difícil descolar de um salário, na melhor das hipóteses, de mil euros. Mas será que o fenómeno é exclusivo de Portugal?

Pouco depois do final dos confinamentos a que estivemos sujeitos por causa da pandemia, chegaram notícias dos Estados Unidos da América que reportavam a great resignation, mais uma vez em tradução livre, a grande demissão. Este outro fenómeno, com maior impacto que o do quiet quitting, significa o deixar o trabalho que se tem e que se tornou insuportável, não procurando alternativa nem tão pouco aceitando a primeira oferta que eventualmente possa surgir. Os salários subiram e ainda assim a situação parece manter-se.

Durante a pandemia os períodos de confinamento levaram a grandes reflexões, tendo mesmo havido quem vaticinasse que, quando terminada a situação, o mundo seria mais cor-de-rosa. Tal não aconteceu, como está à vista de todos, e terá sido a partir dessas reflexões que muitos tomaram consciência de que um trabalho sem sentido, com horários muitas vezes desumanos e as chamadas chefias tóxicas a espreitarem pelo ecrã, não valeriam a troca por uma baixa remuneração. Acresce os muitos despedimentos que foram feitos, esgotados que foram os mecanismos de lay off. Tudo isto levou a que alguns tenham pensado, com legitimidade, que o mesmo pode vir a acontecer no futuro quando voltaram a ser contactados para regressarem, como aconteceu no sector da hotelaria e restauração.

Será ajuizado que as organizações e os seus líderes encarem estes fenómenos como uma tentativa de regulação do mercado de trabalho pelos próprios trabalhadores e não como caprichos de uma geração que não quer trabalhar. Ora não é isso que está em causa – as aparências iludem. O que está em causa é uma mudança no modo como as novas gerações encaram o trabalho, que passou a ser uma das dimensões na vida das pessoas, a ser equilibrada com muitas outras.

Neste sentido, a semana de quatro dias sem perda de remuneração que algumas empresas já praticam e que o Governo quer pôr em prática em 2023 através de um projecto piloto, é bem-vinda. Podemos prever que haverá aproveitamentos por parte daqueles cujos hábitos de trabalho deixam a desejar em termos de produtividade, mas também sabemos que o mundo nunca girou a uma só velocidade.

Como alguém responsável numa cadeia de distribuição referia, “sei que se deixarmos de abrir as lojas aos domingos, teremos muito mais capacidade de atrair e reter mão de obra”. É claro que para isso, será necessário que os accionistas estejam disponíveis para ganhar talentos em troca de uma diminuição de lucros e – quem sabe – talvez esteja aí uma abertura para a solução: uma alteração progressiva dos modelos de negócio como os conhecemos.