O medo do desemprego
Durante as férias as arrumações de uma antiga casa de família trouxeram-me às mãos o livro “O Futuro da Psicologia Industrial” que Pierre Jardillier publicou em 1961 e que a Morais Editora fez sair por cá em 1964. Folheando ao acaso dei com uma reflexão sobre a insegurança no trabalho de que partilho um excerto: “O medo do desemprego é, efectivamente, o companheiro fiel de todos os assalariados. Os profissionais temem que um novo progresso técnico os prive de exercer uma profissão à qual estão habituados. Quando se substitui por um forno automático um forno a carvão, cujo bom funcionamento depende da experiência do forneiro, este, embora conserve o salário, muda de profissão. Transforma-se num trabalhador indiferenciado, mesmo que seja pago como um profissional. Deste modo, o número de operários especializados (O.S.), a menos que haja expansão da empresa, tende sempre a diminuir. E, nesse grupo de operários, é cada vez menor o número de elementos, sem que, no entanto, aumente o salário de cada um”.
Passaram mais de 60 anos e creio que se alterássemos alguns termos e nos referíssemos a outros sectores, o texto poderia manter-se. Hoje as discussões à volta do futuro do trabalho estão em cima da mesa, sobretudo pelas ameaças, reais e imaginadas, da inteligência artificial e pela possibilidade de robôs virem a assumir ou não os empregos.
Cada vez mais somos confrontados com empregos que, ou desapareceram ou estão em vias de desaparecer, como muitos dos relacionados com a banca, com as vendas ou os mais próximos de tarefas manuais. À medida que as máquinas assumem tarefas mecânicas, muitas delas desagradáveis, rotineiras e pouco dignificantes, são exigidas outras competências, desde logo a literacia digital, o pensamento crítico e a criatividade que nos permitem questionar as torrentes de informação com que somos confrontados.
A título de exemplo lembro-me de, no início da minha vida profissional, corrigir manualmente dezenas de testes de aptidões depois de ter escrutinado centenas de candidaturas a uma determinada vaga, tarefas que estão hoje ao alcance de um clique.
O que pode esperar uma camada da população activa, mais informada, que se limita a combater a escalada da inteligência artificial, enquanto lhe fornece todo um caudal de dados, gratuitamente e muitas vezes de forma inconsciente? Mais uma vez, como exemplo, o que acontecerá se, em vez de confirmarmos a nossa crença de que um dos mais recentes instrumentos de inteligência artificial, o Chat GPT, é para apoucar porque nos dá respostas básicas e pouco elaboradas, começarmos por lhe colocar perguntas mais complexas, utilizando a criatividade? Podemos igualmente não obter, por enquanto, respostas muito inteligentes, mas pelo menos não fizemos perguntas estúpidas.
Se é certo que as gerações mais recentes já nasceram em ambiente digital, e que talvez possam vir a existir profissões que ainda não existem, o que prever para aquelas que não têm essa literacia, nem tão pouco meios ou disponibilidade mental para a adquirir? São estas últimas o motivo para preocupação porque, se os robôs as libertarem de limpar o lixo, de transportarem cargas pesadas ou de apertar parafusos, será que os que lucram com a automatização estão dispostos a compensar os que são engolidos por ela?