Estamos a recrutar

 Em Cultura de Empresa, Recrutamento, Sem categoria

Há uns tempos conversava com uma empresária que gere um negócio, que tem mão de
obra intensiva, e que admitia, a propósito de como por estes tempos é difícil recrutar,
que a sua exigência era apenas que os candidatos tivessem dois braços e duas pernas.
Confesso que fiquei chocada e decidi provocá-la, sugerindo que a solução poderia
passar pela automação, dois braços e duas pernas num robô programado para
determinadas tarefas é afinal mais dignificante.
O recrutamento é, hoje, uma das maiores preocupações das empresas e a dificuldade
em contratar e reter as pessoas, sejam elas pouco ou muito qualificadas, é uma das
maiores desafios com que se defrontam na sua actividade..
Décadas de modelos de negócio assentes, em grande medida, nos interesses imediatos dos
accionistas estão a ser postas em causa muito provavelmente pela evolução meteórica
– não necessariamente positiva – que a pandemia impôs. Quando as pessoas tiveram que ficar em
casa, muitas delas despedidas, foram confrontadas com o sentido do trabalho, por
um lado, e por outro com novas maneiras de trabalhar. A flexibilidade e o modo remoto são hoje

soluções que ganharam um valor que é tido em consideração na hora de
aceitar um emprego. E, mesmo aquelas cuja actividade não é compatível com o modo
remoto ou híbrido, põem em causa a violência que representou o facto de, além de não
terem parado durante os confinamentos, terem aumentado o número de horas de trabalho. Existe neste
momento uma faixa de trabalhadores pouco qualificados, sobretudo no sector da
logística e distribuição, que começa a tomar consciência do seu valor no mercado. Exigem, por exemplo,

horários decentes em que os turnos permitam alguma previsibilidade para as suas vidas.
Leio na revista The Economist que nos Estados Unidos, onde os salários crescem e a
rotação de empregados aumenta, e onde já se pratica o aluguer de robôs à hora, a
empresa DCL introduziu duas grandes mudanças na sua operação aparentemente
paradoxais: colocou robôs a retirar produtos das prateleiras e a introduzi-los nas caixas
para expedição – tarefas dignas das linhas de montagem criadas por Ford no início do
século passado. Em simultâneo, reduziu o número de trabalhadores em tempo
parcial aumentando o número daqueles a tempo inteiro, depois de ter  concluído

que a economia gerada com trabalhadores a tempo parcial era perdida em produtividade.
Será que a automação, tão apregoada como ameaçadora para algumas profissões,
poderá afinal trazer maior dignidade ao mundo do trabalho? Será utopia pensar que os
que exercem tarefas menos qualificadas poderão desenvolver-se e obter maior
qualificação? É claro que para tal são necessários investimentos que afectarão os
lucros das empresas e dos seus accionistas, desde logo a automação já referida, ou a
oferta de formação que permita contratar sem experiência. Lembremos que apesar da
taxa de desemprego ser baixa em Portugal, a dos jovens situa-se acima dos 20%.
Sendo a remuneração muito importante e muitas vezes o caminho mais fácil para reter
empregados, sobretudo os que recebem baixos salários, há que lembrar que a
satisfação de expectativas que passam pelo desenvolvimento contínuo, pela
autonomia, pela possibilidade de ser escutado e de participar nas decisões que
afectam cada um, é imprescindível para que as pessoas queiram permanecer na
empresa. E já existem gestores cujo papel na organização é o de ouvir e apoiar as
pessoas para não as perderem.

Quando anunciam que estão a recrutar, as empresas devem reflectir se estão a querer
contratar dois braços e duas pernas ou pessoas inteiras. No primeiro caso podem
divulgar, “estamos a recrutar… robôs”.