E então, a resiliência?
Além da vida que tínhamos, a pandemia alterou de maneira visível o léxico do mundo do trabalho. Em catadupa novas palavras ou expressões surgiram – e resiliência é uma delas. O termo ganhou terreno, desde logo, com o Plano de Recuperação e Resiliência – PRR – acrónimo cunhado pelo Governo para titular o documento que apresentou à Comissão Europeia e que contém as medidas para a recuperação da economia. No universo da gestão de pessoas, e bem antes da pandemia, o termo era utilizado há muito e estava banalizado na descrição dos perfis que se exigem para qualquer cargo, ou até nos pedidos formulados para o treino e desenvolvimento de competências.
Essa banalização incomoda-me porquanto é fácil as palavras perderem o seu significado e a sua importância quando se tornam tendência ou moda. A resiliência é uma delas. Há pouco tempo, numa conversa com uma colega americana a propósito de uma palestra a que tinha assistido, perguntava-me ela se eu sabia o significado de resiliência, admirada com o facto de a palavra ter origem na Física – já agora e segundo o dicionário Priberam, trata-se da propriedade de um corpo recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação – e dizia-me, “é isso, eu não sabia que tinha origem na Física”.
A palavra adquiriu, pois, um sentido figurado para indicar a capacidade de recuperarmos das adversidades regressando ao que eramos inicialmente, o que pode revelar-se perverso, uma vez que, e no exemplo da pandemia, se é para voltarmos ao mesmo não vale a pena tanto sofrimento.
No início da década de 90, os psicólogos Richard Tedeschi e Lawrence Calhoun desenvolveram o conceito de Crescimento Pós-Traumático ou PTG (Post Traumatic Growth) e criaram um instrumento de avaliação dos resultados positivos obtidos por pessoas que viveram uma situação traumática. Os autores diferenciam a resiliência do crescimento ou aprendizagem que as pessoas podem retirar de um acontecimento traumático e concluem que alguém que é tido como resiliente não terá crescimento pós trauma pela simples razão de que não necessita desse crescimento. Por outro lado, aqueles que não são considerados resilientes, ficarão mais vulneráveis ao stress e terão mais dificuldade em perceber como ajustar um acontecimento traumático à maneira como veem o mundo.
No fundo, regressar ao que se era, como postula a resiliência, interessa menos do que o esforço feito para a recuperação e a aprendizagem feita pelo caminho. Pedir ajuda para fazer esse caminho é parte do combate à fragilidade.