A proliferação das listas
As listas crescem à velocidade do Covid 19. São listas para “o que fazer em casa?”, “como trabalhar remotamente?”, “10 maneiras de fazer isto ou aquilo”, “como entreter os miúdos?” e por aí fora. Todas elas cheias de conselhos como, “não fique de pijama o dia inteiro”, “vá dar uma volta ao quarteirão”, “estabeleça horas para isto e para aquilo”, enfim, um regresso ao jardim escola.
A situação que vivemos é de facto excepcional e devastadora. É muito fácil perder o norte quando se fecham pequenas empresas de um dia para o outro, quando o emprego terminou ou está ameaçado. Há muito tempo que se vem falando do fim do trabalho, mas nunca pensámos que fosse desta maneira. Há muito tempo que falamos em trabalho remoto e agora é difícil gerir equipas remotamente. Há muito tempo que afirmamos a falta de tempo e o tempo agora assusta-nos. Há muito tempo que queremos banir o conflito entre a vida profissional e a familiar e agora aparecem os verdadeiros conflitos. Nunca pensámos que a oportunidade para que tudo o que desejávamos nos fosse dada desta maneira.
Agora que podemos reflectir e imaginar como vamos viver daqui para a frente, o que queremos são tarefas e rotinas que nos ajudem a passar o tempo. O tempo tornou-se uma ameaça que nos confronta com a nossa fragilidade.
A quem interessar a experiência que estou a ter, posso dizer que tenho tentado banir as rotinas. Sei que todos precisamos delas e todos as temos, mesmo os que afirmam o contrário. As rotinas estruturam os dias, dão referência e sobretudo dão-nos a sensação de que controlamos a nossa vida e, às vezes, as dos outros. É mentira, como estamos a perceber.
É claro que não estou a conseguir, mas todos os dias para lá da actividade profissional que mantenho, experimento fazer diferente com os outros e comigo própria. Alguns exemplos que não pretendo que funcionem como lista: todos os dias telefono a dois ou três amigos e estou disponível para falarmos o tempo que for preciso, afinal o vírus não se propaga pela voz. Também telefono todos os dias a pelo menos um cliente, eles sabem que nesta altura não lhes quero vender nada, atendem-me na hora e conversamos sobre como cada um está a gerir a situação. Além disso mexo-me, desço e subo os sete andares do prédio onde vivo uma ou duas vezes por dia. Se vou entregar compras à minha mãe subo e desço os três andares do prédio onde ela vive e sempre que falo ao telefone é em pé a andar pela casa. Leio, escrevo, e da minha janela observo o que se passa lá fora: o carteiro que estaciona o carrinho da correspondência e vai urinar atrás de um contentor, o sem abrigo que vasculha no lixo ou o 112 que entra e sai do lar de idosos, fazendo temer o pior.
Amanhã, acho que vou por a música muito alta e vou dançar. Afinal, como diz a minha querida amiga Filomena, uma guerreira que dirige um serviço de crianças com cancro, “logo se vê”.